5 de novembro de 2014

Fernando Pessoa

"Talvez eu não tenha outro sonho senão tu, talvez seja nos teus olhos, encostando a minha face à tua, que eu lerei essas paisagens impossíveis, esses tédios falsos, esses sentimentos que habituam a sombra dos meus cansaços e as grutas dos meus desassossegos. Quem sabe se as paisagens dos meus sonhos não são o meu modo de não te sonhar? Eu não sei quem tu és, mas sei ao certo o que sou? Sei eu o que é sonhar para que saiba o que vale chamar-te o meu sonho? Sei eu se não és uma parte, quem sabe se a parte essencial e real de mim? E sei eu se não sou eu o sonho e tu a realidade, eu um sonho teu e não tu um Sonho que eu sonhe?
  Que espécie de vida tens? Que modo de ver é o modo como te vejo? Teu perfil? Nunca é o mesmo, mas não muda nunca. E eu digo isto porque o sei, ainda que não saiba que o sei. Teu corpo? Nu vejo-o o mesmo que vestido, sentado está na mesma atitude do que quando deitado ou de pé. Que significa isto, que não significa nada?"
[1913]

"E assim nós morremos a nossa vida, tão atentos separadamente a morrê-la que não reparámos que éramos um só, que cada um de nós era uma ilusão do outro, e cada um, dentro de si, o mero eco do seu próprio ser..."
[1913]

Fernando Pessoa, livro do Desassossego